quarta-feira, 11 de março de 2009

A EDUCAÇÃO E SEUS NOVOS DESAFIOS

A EDUCAÇÃO E SEUS NOVOS DESAFIOS
GUIMARÃES, Lidônia Maria

O início do século desperta-nos para uma reflexão sobre o momento da crise em que se encontra a educação. Ao nosso ver esta crise não pode ser analisada isolada do contexto sócio, político, econômico, científico e tecnológico. Estamos vivenciando um momento histórico caraterizado por mudanças significativas nos diversos setores e espaços. De um lado, a globalização econômica é acompanhada de uma verdadeira revolução científica e tecnológica, pelo desenvolvimento dos meios de comunicação que possibilitam uma maior rapidez na produção e divulgação de informações e conhecimentos. Podemos citar como exemplos o avanço da informática, da biotecnologia, da telemática, das novas formas de energia e materiais. Por outro lado, vivenciamos, contraditoriamente, a guerra, a disseminação do terrorismo, a fome, a exclusão social de milhares de pessoas que não têm acesso aos benefícios produzidos por essas mudanças científicas e tecnológicas. O mundo globalizado é cada vez mais, um mundo polarizado entre países ricos e pobres, entre povos que lutam pela preservação de sua cultura, suas crenças, língua e território e aqueles que agem a favor da dominação e submissão dos povos.
Neste contexto, devemos questionar e repensar o papel da escola, do currículo, do professor e dos processos educativos. A “escola da modernidade”, seus valores e métodos de ensino correspondem as necessidades e as exigências da sociedade atual? O que deve ser feito? O que pode ser feito? Qual seria o papel da escola no século XXI? Em outras palavras: “que educação temos e que educação queremos?”
Segundo Sacristán (1991), “refletir sobre o presente é impossível sem se valer do passado.”(p. 67). Voltando à história, podemos afirmar que o papel da escola moderna era de educar nos valores hegemônicos e transmitir conhecimentos. A forma como era feita essa transmissão foi concebida a partir da figura de um professor que “sabia” o que “convinha” aos alunos, e estes eram apenas, os receptores passivos dos conhecimentos transmitidos.
A finalidade da escola moderna, transmissora de uma cultura hegemônica, definida pela classe dominante, era formar sujeitos aptos a corresponder às exigências políticas e sociais desta classe. A escola era considerada um elemento de reprodução do sistema e o fracasso escolar do aluno era atribuído à sua falta de inteligência. Este sistema tratava os alunos como receptores homogêneos, ignorando assim, os saberes e culturas populares, em nome do progresso social.
A partir das transformações ocorridas no contexto da sociedade capitalista que atingiram as relações técnicas e sociais, surge a manifestação da crise desse modelo de educação escolar. Crise por vários fatores, como o repensar da constituição de sujeitos políticos, do monopólio cultural e pela dinâmica da produção científica e tecnológica, como analisamos acima.
A escola que antes atendia uma pequena elite, com objetivos traçados aos membros deste segmento social, foi aberta às várias camadas da sociedade. A partir desta massificação da educação escolar, no século XX, surgem também os mais variados problemas sociais no interior da escola, que passou a mediá-los através de
uma maior diversidade e flexibilidade dos objetivos e das metodologias de ensino. A passagem de um sistema escolar de elite para um sistema de massas produziu o que muitos autores chamam de fracasso escolar: evasão e repetência. Nesse processo, a condição social e cultural do professor, que antes era de status, passou a ser de um proletário, sem autonomia, pela desvalorização social, salarial e cultural sofrida. O professor passou a ser considerado um dos principais responsável pela crise. Assim, o modelo de escola, herança da modernidade, deixou de atender as exigências sociais de um novo tempo.
Passamos por uma profunda reestruturação cultural e a educação escolar enfrenta novos desafios. Por isso, questionamos que educação temos e que educação queremos?
Segundo Rigal (1991, p. 71) devemos “reforçar a escola em sua condição fundamental de produtora crítica de sentido e contribuir para que o pedagógico não seja uma mera dimensão técnico-instrumental centrada na aprendizagem individual”. Isto requer de nós, educadores algumas reflexões.
De acordo com o pensamento de Imbérnon (2000, p. 46) devemos ser capazes de “ajudar os alunos a crescerem e a se desenvolverem como pessoas, facilitando-lhes a aquisição de habilidades básicas para o desenvolvimento de conhecimento, de autonomia pessoal e de socialização.”
A escola enquanto produtora crítica de sentidos deixa de ser meramente lecionadora, transmissora de conhecimentos prontos e acabados. Ela passa a ter um papel de articuladora dos diversos saberes e espaços educativos, tais como a mídia, a família, a comunidade e os vários espaços de vivência. A escola passa a ter um papel de mobilizadora de saberes produzidos nestes diversos lugares, saberes que os alunos trazem para a sala de aula e que devem ser incorporados, discutidos, reconstruídos e sistematizados no processo de ensino e aprendizagem. Assim, a escola amplia o conhecimento e desenvolve atitudes críticas e criativas no aluno/cidadão.
Ao nosso ver a escola, o currículo e o ensino devem incorporar de forma crítica a linguagem da mídia. A imagem, enquanto veículo de transmissão cultural, põe em questão o sentido e o valor da escrita, e a escola atual, ainda tem dificuldades para articular palavras e imagens nas propostas pedagógicas.
Estas propostas deveriam introduzir além de meios para a articulação palavra/imagem, outros como o diálogo, mostrando por exemplo, os grandes avanços tecnológicos, as desigualdades, a pobreza, a exclusão, a violência e a opressão de alguns povos por outros. “As novas tecnologias da informação não substituem as práticas da leitura e da escrita, mas partem e necessitam delas (Sacristán,1991, p.82 )”.
Hoje, atribui-se ao conhecimento tecnológico e científico um papel central na sociedade e a escola é desafiada a acompanhar este desenvolvimento. Os sistemas educativos, mais devagar que o desejado, têm procurado atender a esta demanda. Isto significa que novos desafios são impostos às construções curriculares, à formação inicial, a uma melhoria significativa nas condições de trabalho, e sobretudo à formação continuada do professor.
Ao considerar que a escola tem a função de socializar, reconstruir e produzir o saber, seu papel torna-se bastante amplo. Mais do que transmitir informação, ela deve também orientar, facilitando para que cada indivíduo reconstrua seu pensamento, refletindo sobre si e sobre os demais, agindo por meio de um processo coletivo, analisando e articulando os processos e conteúdos recebidos.
A escola deve cumprir sua função de formar cidadãos críticos, contribuindo no plano público, exercendo e socializando os valores e práticas da democracia. Para efetivar uma formação cidadã é necessário abrir ou ampliar os espaços para as práticas democráticas, incluindo vários segmentos nas tomadas de decisões, fortalecendo a autonomia, definindo e evidenciando o papel da instituição escolar como elemento da esfera pública.
Nesta perspectiva, a escola constitui um espaço de debates teóricos e políticos, de produção de saberes e práticas curriculares. Segundo Garcia (1990, p. 29), “mais que um ponto de partida, a questão do currículo deveria representar um ponto de chegada, de confluências políticas setoriais, como a da formação e da valorização da carreira do professor, maior participação e atuação da comunidade na vida da escola (...)”. O currículo deve ser tratado a partir das relações entre educação, poder, identidade social, construção teórica e política e não ser tratado apenas como um instrumento técnico, neutro.. Deveria ainda, possibilitar o resgate da prática dos alunos, reconhecendo, respeitando e aceitando as diferenças culturais de cada um, salientando que a sociedade além de apresentar diversidades, apresenta também desigualdades.
A formação permanente do professor deve estar voltada para sua autonomia, para tanto, deve voltar-se para a valorização de sua prática, para sua ética, justiça social, didática, melhoria de suas condições de trabalho e eliminação dos mecanismos de controle técnico ao qual se encontra submetido, liberando-o assim, da condição de transmissor para a de transformador crítico. Desta maneira, o professor terá a possibilidade de mostrar-se emancipado e reflexivo sobre suas próprias práticas e questionador das estruturas institucionais em que trabalha. Os professores, na atualidade, encontram-se num estado de desânimo, desilusão, de desencanto e, acima de tudo, desacreditados diante da sociedade. Segundo Esteve (1987, p. 39), trata-se de um “mal-estar docente”. Uma escola produtora e crítica, requer professores críticos, bem formados e que acreditam no seu papel como sujeitos transformadores.
À pedagogia deve ser dada a ênfase de que representa uma prática política e não um simples procedimento técnico, deve ser a pedagogia do diálogo, da interação, da participação coletiva. Assim o processo ensino-aprendizagem, como dizia Paulo Freire (1994, p. 41), deve conduzir à autonomia e não a submissão cultural e política do aluno. A ênfase deve ser dada no processo, nas metodologias, no como aprender e não mais na quantidade, no “estoque” de conteúdos transmitidos. Nas palavras de Jacques Delors (1996, p.64), trata-se de “aprender a aprender”. Para Rigal (1997, p. 29): “produção dialógica e negociação cultural”, é o novo desafio.
Portanto, no atual contexto histórico a escola deve redimensionar os saberes e as práticas pedagógicas, ampliando e diversificando suas formas de atuação, promovendo trocas de experiências educativas entre diversos setores, unindo-se a outras práticas operativas e críticas dirigida a projetos relevantes à toda a sociedade. Assim, a educação escolar cumprirá um papel político-pedagógico a favor das lutas contra a desigualdade social, a discriminação racial e sexual, os conflitos religiosos e outros. A educação que queremos requer um esforço por mudanças que conduzam à construção de um mundo mais humano, ético e justo para todos!


BIBLIOGRAFIA

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